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Especialista em pescados e carnes exóticas, Helvécio Maciel conta um pouco de tudo

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Helvécio Maciel, chef, especialista em pescados, carnes vermelhas e exóticas de caça teve contato com a carne ainda aos 16 anos, onde assumiu a responsabilidade de cuidar de um açougue. Então, pode-se dizer que ele é um Old School Butcher (açougueiro à moda antiga). Estudou gastronomia pelo Instituto de Educação Superior de Brasília – IESB. Participou de vários workshops com cozinheiros renomados e de aprimoramentos de técnicas como defumação BBQ, charcutaria e princípios básicos de maturação de carnes.

Helvécio é um pesquisador do universo do churrasco e com todo esse conhecimento adquirido, aprendeu a misturar várias técnicas, com combinações inusitadas de ingredientes e temperos, fazendo sua própria releitura dos pratos, por exemplo. Nessa entrevista ele conta um pouco da sua história, e fala sobre sabores, temperos, cores e texturas.

Acesse também a receita PIRARUCU À PORTUGUESA, do chef Helvécio Maciel.


Me conta um pouco do seu início no mundo da gastronomia

Foto de açougue antigo
Foto Ilustrativa de Açougue à moda antiga

Eu comecei a trabalhar com carne quando eu tinha ainda 15 anos. Meus pais eram separados e eu morava em Brasília com minha mãe. Quando tinha esta idade, resolvi ir para Belo Horizonte, morar com meu pai, que tinha um frigorífico. Ele simplesmente me deu uma casa de carne para cuidar.

Foi a partir daí que comecei a ter esse contato com a carne. Naquela época o açougue ainda era no modo antigo, ou seja, peças inteiras de carne dependuradas em ganchos ou sobre o balcão. O açougue como boutique de carne surgiu depois. Neste período aprendi bastante sobre essa proteína.

Depois disso voltei para Brasília e trabalhei com agropecuária, depois voltei para a carne novamente. Eu abatia, entregava. Tinha uma rede de distribuição. Então, vi a necessidade de aprender mais sobre gastronomia, já que era algo que eu gostava.

Quais foram seus próximos passos nessa direção?

Estava já com 23 anos e decidi que viajaria pelo Brasil para conhecer a culinária brasileira. Eu sempre gostei muito da nossa comida, da gastronomia regional, então, vendi carro, moto e muitos outros bens para empreender nessa viagem de 3 anos pelo Brasil. Assim, estendi essa viagem também para o Uruguai, onde conheci o fogo de chão, e para Argentina. Sempre buscando aquele roteiro mais próximo da população local, fugindo dos roteiros turísticos tradicionais.

Um dos lugares que mais me marcou foi o Parque Nacional do Xingu, onde tive o meu primeiro contato com as carnes exóticas, por exemplo.

Me recordo a primeira vez que eu fui, e conheci a técnica indígena que se chama muquiar. É uma das técnicas de defumação mais antigas que a gente tem e veio dos indígenas. Eles colocam a carne de caça numa estrutura de galhos de árvores chamado girau e defumam tudo.

tribo indígena - muquiar no girau
Foto Ilustrativa – Girau indígena

Há 30 anos atrás isso era muito comum, dessa forma a caça era muito presente na vida das pessoas do campo, e até mesmo da cidade, que saíam final de semana para caçar.

Hoje temos uma Legislação que eu defendo muito, sou a favor das criações sustentáveis, acredito que a gente consegue consumir carne de qualidade de um animal exótico vindo de criatórios legalizados.

Ali no Parque do Xingu a relação do alimento como uma ferramenta de socialização foi forte?

Sim, porque os índios, assim como os ribeirinhos, caçam e pescam somente para o consumo diário, não tem uma pesca predatória, não pode sobrar. E para isso havia a técnica de muquiar, a defumação, porque o consumo era muito diário, e a salga não foi costume dos índios, é uma coisa que veio pelos bascos. Então eles tinham que pescar e caçar para comer no dia.

E como você observou a questão do gosto neste processo?

Helvécio e seu pirarucu

Minha cozinha é uma cozinha limpa. Assim, uma das coisas que aprendi com essas minhas andanças é buscar o mínimo de interferência possível no alimento. Acontece muito de uma pessoa que não tem o costume de comer um peixe, por exemplo, achar que a carne tem um gosto forte. Eu sempre digo: “Ainda bem que o peixe está com gosto de peixe!”

 As pessoas buscam isso hoje em dia, um peixe que não tenha gosto forte. Você come por exemplo uma fruta sem caracterização nenhuma.

Como você vê a descaracterização desse gosto?

Um exemplo é o próprio boi. As pessoas se preocupam com a precocidade e a maciez da carne e se esquecem do sabor. Na hora do consumo, o sabor é composto por uma variedade de ingredientes. Dessa forma, as pessoas tem uma interferência muito grande nos alimentos hoje. Os vegetais, por exemplo, têm que ter a sua textura, o sabor, a cor tem que estar vívida. Não adianta colocar várias de técnicas, um milhão de temperos e descaracterizar totalmente o alimento, por exemplo, e é o que vem acontecendo hoje.

carnes exóticas: coxa de jacaré
Prato Chef Helvécio: Coxa de Jacaré

Eu falo que as pessoas estão desaprendendo a comer.

Em relação ao gosto. Tem um limite de criação na cozinha considerando os gostos mais ou menos apurados?

É muito pessoal. Não é nem questão de ser apurado ou não. Por exemplo, eu não como 4 coisas, que são pequi, salmão, dobradinha e buchada de bode. É curioso, porque o salmão é uma das coisas que eu mais preparo, mas não como. Então em relação ao gosto, tem gente que gosta, tem gente que não gosta. É muito peculiar.

Eu imagino que o paladar mais apurado é a pessoa que experimenta mais, não é?

Sem dúvida. Experimenta mais e faz mais composições. Eu procuro fazer um prato harmônico, mas se o prato puxa um pouco pela acidez, tem gente que não vai gostar porque não gosta do ácido. E tem gente que não gosta do agridoce. Então não é só a questão do alimento que torna o paladar mais apurado. É um pouco cultural também.

carnes exóticas - mojica de jacaré
Mojica de Jacaré

As carnes exóticas são carnes de sabor marcante, de sabor forte. Então é possível ter um equilíbrio, por exemplo. Os mateiros quando vão fazer uma carne de capivara, por exemplo, eles pegam uma folha de goiaba ou de mamão e cozinham junto com a carne, isso harmoniza o sabor. Os peixes, assim como o pirarucu, têm uma camada de proteção com um cheiro muito forte. É natural do peixe, no entanto, se for preparado corretamente, este cheiro ou gosto não será totalmente transferido para a proteína.

O interesse pela cozinha veio mais pelo alimento ou pela vontade de comer?

Pelo alimento, com certeza. Eu falo hoje que eu cozinho muito mais do que eu como a minha comida. É engraçado isso, porque tem todo um trabalho de preparar. Hoje eu faço em torno de 800 pratos diários e muitas vezes eu saio com fome da cozinha. A gente não come.

Como é o prazer de ver a pessoa experimentando a sua comida?

O grande prazer de qualquer cozinheiro é ver as pessoas experimentando e gostando do alimento que você prepara, por exemplo e eu tenho muito mais prazer em cozinhar para alguém, em satisfazer essa pessoa, do que fazer algo para mim mesmo.

Esse sentimento de espera, como é?

fogão a linha, comida de conforto

É bem interessante. Eu sempre digo que é como a comida de conforto. Qual a memória que você tem de uma comida boa? Quem prepara essa comida boa pra você? Geralmente é a sua mãe, a sua avó. É uma comida de conforto.

Assim, da mesma forma que você busca algo em um alimento, quando você come algo que te remete à infância, eu tento trazer esse mesmo prazer quando estou cozinhando.

Quando a minha família pede que eu cozinhe, eu faço um prato que eles gostam e quando elogiam, por exemplo, é um momento muito prazeroso. Dessa forma, me sinto muito mais realizado vendo as pessoas comendo os meus pratos e gostando, do que eu mesmo comer. Então é o que a gente espera. É o que todo cozinheiro espera.

Se não fosse o alimento a gente não sobreviveria. Além disso tem o fogo e a ferramenta, que fazem parte desta relação. Como você olha para esse conjunto?

A gente na cozinha fala de Mise en Place (conjunto de operações que precedem a preparação propriamente dita de cada processo de preparo na cozinha). Na minha opinião esse processo começa desde o pequeno produtor, quando ele planta uma cenoura que lá na frente vai chegar no meu prato, assim, o Mise em Place começa a partir daí.

Com relação ao fogo, hoje, as pessoas não usam a brasa, a lenha, principalmente por não ter espaço na casa para um fogão a lenha, então a cozinha é conduzida pelo gás. E a ferramenta é imprescindível.

faca imperial

Tenho que me preocupar com a ferramenta certa para que eu possa fazer uma desossa, para ter uma zona de contato, uma cocção. Existe uma série de fatores que vai depender da ferramenta.

Então tenho que ter ao meu alcance o fogo, a ferramenta para depois eu ter o alimento. É um conjunto, um não vive sem o outro.

Você falou bastante sobre carnes exóticas, mas tem muita gente que conhece você como o HOMEM DO JACARÉ. Como foi isso?

Desde criança eu frequento o Pantanal. Aquidauana, Mato Grosso do Sul. O jacaré é uma carne muito consumida nessa região e eu sou fascinado pelo jacaré. Então eu sou apaixonado por crocodiliano. Não só o jacaré, mas o aligátor e demais animais relacionados ao crocodiliano. Até mesmo por ser um dos animais mais antigos que a gente tem vivo, ainda da época dos dinossauros. Acho fascinante.

Helvécio homem e jacaré - carnes exóticas

Com a vinda dos criatórios, nosso trabalho se tornou mais fácil. Hoje, para falar de carnes exóticas no Brasil com criatório de volume é o jacaré. Outros animais não têm nenhuma criação responsável, por exemplo.

Eu acabei me apaixonando não só pelo animal em si, mas também por sua carne. É como eu sempre digo, a carne do jacaré é uma das mais elegantes que a gente tem na atualidade, de animal que vem de criatório responsável, pois é uma carne muito suave, que não precisa de interferência.

Eu preciso de um bom fogo, ferramenta de corte, sal, pimenta. Depois é só hidratar a carne, porque é uma carne que chega praticamente a meio por cento de gordura. Isso sem falar que a minha memória do jacaré vem da época da minha viagem para o Pantanal, para o Amazonas e Pará.

Nessas viagens tive o primeiro contato com as carnes exóticas, e o jacaré se tornou um ícone para mim, pois faz parte do início da minha caminhada gastronômica.

Esse animal é uma das carnes mais exóticas de todas as carnes que você já fez?

Não. Uma das carnes mais exóticas que eu tenho na memória e não dei conta de comer, foi o macaco. Os índios tem permissão de caça e comem muito e eu estava neste preparo junto com a tribo, olhei para o macaco sendo defumado, mas não tive coragem de comer.

carnes exóticas
Helvécio Maciel

De carnes exóticas, eu posso te falar que conheço todas. Então, do que é permitido,  eu já preparei de tudo da fauna brasileira, e acompanhei com os índios e com ribeirinhos o preparo de animais que não é permitido a caça por se tratar de crime ambiental.

Você utiliza a gastronomia para externar um conflito, uma preocupação? Ou como sentimento para desabafar? A cozinha permite isso?

Quando estamos muito chateados ou estressados, a cozinha não vai bem. Não adianta insistir, porque tudo desanda. Isso acontece porque vamos oscilar, não sentiremos o sal, o amargor está na boca, a degustação vai ser complicada.

Preparo de peixe

Existe outra vertente, por exemplo, se hoje estou mais melancólico, vou pensar num tipo de prato. Se estou mais saudosista, eu quero um prato de conforto, por exemplo.

É notório, não adianta, quando você está muito preocupado, muito chateado, ou você salga uma comida, ou não sai no ponto que você espera. Então o que eu faço nessa situação e tenho que preparar um prato? Primeiro vou tomar um drink, enquanto vou fazendo a preparação do prato com calma, tentando relaxar, harmonizar, ficar mais tranquilo, mas o conselho é: se você está muito chateado, muito estressado, não vá para a cozinha.

Você acha que hoje as preferências de paladares são condicionadas pela sociedade?

Sim, são condicionadas. As pessoas estão desaprendendo a comer. Principalmente porque hoje tudo é muito corrido, nosso tempo é muito escasso.

Nessa condição você acha que o olfato é mais forte que o paladar?

Eu acho que os dois andam juntos. Sobre o paladar, as pessoas conhecem o sal, o açúcar e a fritura, por exemplo. Esses três itens você encontra no maior número de alimentos que o mercado disponibiliza hoje, assim as pessoas estão desaprendendo a comer pela correria, pelo fast food, pela comida pronta que geralmente vem com grande quantidade de sódio.

Então, eu faço uma comida simples e a pessoa diz: “Nossa que comida boa”, mas na verdade é o meu trivial, o meu arroz com feijão, as pessoas não estão acostumadas.

A nova geração por exemplo, não está tendo a oportunidade de experimentar uma comidinha caseira, não é mesmo?

Não está tendo.  Uma carne confitada, por exemplo, a minha tataravó já fazia. Ela guardava a carne na banha. Confitar, para quem não sabe, é o preparo por imersão em longa duração. Então as comidas antes tinham muito mais tempo de preparo. Nós não usávamos panela de pressão, microondas, nada vinha embalado demais. Precisava de uma cebolinha, era só ir na horta colher. A carne era do abate da semana. São coisas que a geração de hoje não conhece, não sente, não tem percepção.

Você acha que a comida é um divisor de classes?

Sim, sem dúvida nenhuma. Uma pessoa que ganha um salário mínimo hoje e quer ter uma dieta balanceada, não vai conseguir. A mesa de 90% dos brasileiros é composta só de carboidratos e proteína, quanto tem.  É impossível para quem ganha um salário mínimo ter 4 a 6 refeições, com todas as cores no prato, todas a verduras, salada, proteína, carboidrato.

Então, há sim uma divisão de classe. Desde a época de Jesus Cristo. Os reis comiam os bichos, isso era para quem tinha posse, enquanto o povo comia pão. E até hoje é assim.

Como você educa seus filhos?

Aqui nada é proibido, mas eu não gosto de dar alguns alimentos processados para as crianças. Eu sou irresponsável e tomo refrigerante, mas eu sou radicalmente contra dar refrigerante para os meus filhos, por exemplo. Procuro não comprar bolacha recheada, iogurte, biscoitinho… Então tudo o que é processado a gente evita comprar. Em casa açúcar também não entra. Utilizamos o mínimo possível, e dessa forma vou tentando educar meus filhos.

Nesta pandemia as pessoas estão mais em casa, com tempo livre e descobrindo o prazer de cozinhar. Você acha que elas estão adotando um estilo de vida mais saudável?

Tudo vem de encontro ao que já falamos. As pessoas estão comendo mal devido a correria dos grandes centros. É praticamente impossível ir almoçar em casa, morando na grande São Paulo, por exemplo.  Então é preciso encontrar um lugar perto do meu trabalho, e muitas vezes mais barato, porque a alimentação fora é muito dispendiosa no dia a dia. E com a pandemia, as pessoas estão tendo mais tempo e começaram a se interessar mais.

Pelo menos isso a gente teve de positivo, com esta pandemia. As pessoas começaram a fazer mais a sua própria alimentação. Não só por descobrir ou querer, mas também por conta da economia.

almoço em casa

Pedir comida todos os dias é dispendioso. Preparar 4 hambúrgueres na minha casa sai pelo preço de um que eu peço pelo aplicativo. Então tem a ver com o tempo, mas também com a questão financeira que a gente está vivendo. O amanhã está muito incerto.

Enfim, acredito que as pessoas nesta pandemia começaram a cozinhar mais por questão de tempo e economia. Deixamos de fazer muita coisa por falta do tempo, assumimos muitos compromissos no dia a dia. E esta pandemia nos trouxe esta reflexão, também. Trouxe essa busca pelo mais saudável, este cuidado com a gente mesmo que vale a pena preservar depois que tudo isso passar.

E esta pandemia nos trouxe esta reflexão, também. Trouxe essa busca pelo mais saudável, este cuidado com a gente mesmo que vale a pena preservar depois que tudo isso passar


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