Chef Chico Parrillero, um argentino que mora no Mato Grosso e recentemente ganhou o prêmio Dólmã por Mato Grosso, considerado o “Oscar da gastronomia brasileira” é nosso entrevistado de hoje. Além do churrasco na Parrilla, ele fala sobre seus projetos, seus pratos e conta um pouco da sua trajetória no mundo dos sabores.
Como surgiu o título Chico Parrillero?
Meu nome é Francisco. Na Argentina o apelido de Francisco é Pancho, mas aqui no Brasil é Chico. Abrasileirei meu apelido, pois todo mundo me conhece mais como Chico, e ficou Chico mesmo. Já o Parrillero é a profissão. Para que vocês entendam, na Argentina, por exemplo, não tem o churrasqueiro, não é uma categoria. Assador é aquele que faz tudo, é um termo genérico. Já o parrillero é a pessoa que fica na parrilla. Então, acabou ficando Chico Parrillero.
Por que você escolheu Cuiabá?
Quando me formei, decidi tirar um ano sabático e viajaria para a Europa, antes de entrar efetivamente no mercado de trabalho. Contudo, o meu irmão que mora em Cuiabá me convidou para ver um campo de golfe, empreendimento imobiliário que ele tem aqui. Pensei comigo: já que estava neste ano sabático, por que não ir para o Brasil? Mas errei de lugar, porque para um gringo todo lugar no Brasil é praia, Copacabana, Rio de Janeiro. Então eu vim, mas quando cheguei percebi que estava no meio do sertão (risos). Fui ficando. Passou um ano, depois outro ano. Me ‘enrosquei’ com uma pessoa, como dizem aqui em Cuiabá. Assim, me casei, tive filho e acabei não voltando mais para a Argentina.
O seu gosto pela carne vem de família?
Sim. Argentino já nasce comendo carne. (risos). É uma tradição forte, devido à minha origem. O brasileiro, mesmo sendo o primeiro exportador mundial de carne bovina, consome menos carne por ano do que o argentino. Então, a gente come muita carne, muito churrasco na parrilla!
No gráfico abaixo, de 2019, é possível ver o consumo de carne no mundo. Enquanto o Brasil consome 78 kg, e ocupa o 5º lugar no ranking, a Argentina tem o consumo de 90kg e está em 3º lugar.
E quanto aos temperos. Você incorporou o modo de temperar brasileiro, o argentino ou é uma mistura dos dois?
Além de churrasqueiro na parrilla, sou chefe de cozinha e a minha pegada é sempre a gastronomia função. Dessa forma sou contra a rivalidade Mato Grosso x Mato Grosso do sul – Campo Grande x Cuiabá – Brasil x Argentina.
Eu tento usar as técnicas do meu país, mas com ingredientes locais. Um tempero, por exemplo, que eu gosto muito é chimichurri, um clássico argentino. Mas a única especiaria que você tem que priorizar é uma que se chama AJI Mojito. Parecido com uma pimenta calabresa. Mas termino não encontrando. Desse modo adapto com outro tipo de pimenta, a pimenta dedo de moça, biquinho.
O doce de leite também uso como tempero dentro da sobremesa. Além disso, utilizo mais coisas regionais daqui com as técnicas de lá. Muitas vezes não encontro algum ingrediente aqui e tenho que substituir. Assim vou testando e crio uma versão diferente do prato original.
Você trabalha só com pratos cuja a base principal é a carne?
Não, além da proteína eu tenho outros pratos. Quando a gente fala em proteína, tem a bovina, suína, peixes e frutos do mar, além disso, eu tenho um gostinho também pela confeitaria, como a panqueca de doce de leite, por exemplo.
Esse é um prato que eu gosto muito de fazer, sem falar nas comidas regionais, como a Maria Isabel, a farofa de banana, os acompanhamentos das proteínas. Estou entrando também neste mundo do vegano. Como já disse, eu sou contra a rivalidade.
Ou seja, o churrasco na parrilla é democrático, uma pessoa que não come carne e chega até mim, vou me interessar em saber o que ela precisa. Minha função como chef não é a pessoa que melhor acerta a carne, mas o chef que consegue servir a todos o que eles gostam. Essa é minha função, afinal de contas.
E os legumes feitos na parrilla? Conta um pouco dessa sua experiência com essa forma de preparo.
O pimentão com ovos é outro clássico argentino. Esse legume tem uma má fama de que se você comer, é provável que ficará arrotando o dia todo. Então falo para você que o prato é pimentão com ovo. Você vai dizer: “Nossa, isso é uma bomba!”. Mas fazendo na parrilla da maneira correta, você quebra esse mito.
Como é isso?
Você vai fazer na parrilla, correto? O pimentão tem umas nervaduras, uns filamentos brancos. Então é preciso tirar esta parte branca, colocar o pimentão de cabeça para baixo. Assim que você vira, vai ver pontinhos de líquido, que nada mais são do que o óleo que ele tem. Dessa forma, basta pegar um papel absorvente e secar o pimentão. E está pronto. Portanto, é uma das maneiras de tirar a acidez e a parte agressiva. Depois é só colocar o ovo na parrilla com a parte da casca para baixo. Essa casca vai queimar um pouco, mas isso não é um problema porque na hora de comer é só tirar a parte queimada. Vai ficar com sabor suave, muito mais agradável.
Outro ponto importante é saber com qual pimentão você vai cozinhar. O vermelho e o verde são os mais agressivos, então o ideal é você usar o amarelo. É um estágio da maturidade da verdura. Isso é normal. Então, a medida que você progride aprende a criar novas técnicas.
Há outros elementos que você pode incorporar no churrasco de parrilla?
Sim, muitos. Uma outra dica é com relação a abóbora. Eu faço fondue de abóbora no fogo de chão. Fica um espetáculo. Então você quebra esse mito de que a abóbora só vai na sopa, em comida de doente. Pelo contrário, pode incorporar ela no churrasco.
Aqui no pantanal aprendi também a fazer banana da terra dentro da brasa. Um cara de Poconé me mostrou a técnica na parrilla e fiquei encantado. Para mim, como argentino, banana é fruta, então nunca pensei em comer banana com coisa salgada. Mas comecei a fazer a farofa e me apaixonei. Não apenas fica com um sabor incrível, como também posso incorporar a banana no churrasco. Não é incrível?
Outro prato interessante é o Ceviche. Faço um de banana que aprendi com um norueguês, pois achei bacana a técnica dele. Hoje já tem ceviche de tudo. Mas o engraçado é como o prato se transforma de uma cultura para outra. O ceviche é um prato peruano, e tem duas regras: precisa ter acidez e picância, o resto vai da criação do chef. No meu instagram trago uma receita dele. Fica muito bom!
Sobre as ferramentas de trabalho. O que elas representam no seu dia a dia?
A ferramenta representa confiança, segurança e principalmente destreza. Pra mim a faca é um prolongamento da mão do chef, então quanto mais afiada, mais segura é a faca. Quanto mais eu conheço, mais tranquilo eu me sinto com relação à ferramenta, por isso, onde eu vou, levo meu estojo assador. Minhas facas estão sempre perto da parrilla.
Para você ter uma ideia, mesmo quando eu vou no churrasco de um amigo eu levo minhas ferramentas, porque as vezes alguém sempre fala para eu dar um corte. Se a proteína for dura, e a faca ainda for ruim, vai ser um problema. E não só a faca, falo também da tábua. Usar vidro ou cerâmica acaba com a faca, então o resultado final não será o esperado. E se você tem boa faca e não leva, o erro inicial é seu. Você tem que andar com ela, pois consegue tirar das peças o que você precisa.
A ideia de ter UMA FACA PARA TUDO lhe agrada?
Não. Quando você faz um curso de gastronomia, uma das primeiras coisas que você aprende é de que precisa de uma faca chef de 10 a 12, uma de 8″, uma faca de desossa, e por fim uma faca 6, isso é básico. Já começa falando de quatro facas. Algumas pessoas não entendem, mas na hora em que você mostra, por exemplo o que uma faca de desossa faz, fica claro, porque uma faca grandes cortes jamais vai fazer a mesma coisa. Então, como os dedos da mão, cada faca tem sua função.
Qual corte você mais gosta de trabalhar?
Se eu tivesse em uma ilha sozinho, e só pudesse escolher um corte, seria o Assado de Tira, ou seja, uma costela de traseiro. O segundo corte que eu escolheria seria entranha, uma fraldinha fina. São cortes bem fáceis por isso atendem todo mundo. Eu sempre uso estes dois cortes nas minhas receitas. E o mais engraçado é que sempre alguém me pergunta: “Cara, isso vem da Argentina?”, e eu respondo: “Não, vem do boi”. (risos)
É só uma forma diferente de cortar. Por exemplo, o bife ancho, ojo de bife, brisket. Eu falo isso no meu curso, só muda o nome. Se você pergunta para sua mãe ou sua avó, ela vai falar: carne de bife, carne para churrasco e carne para panela. São os três cortes universais. Então é simples, o negócio é descomplicar.
Qual a diferença entre os cortes brasileiros e os argentinos?
Tem diferença em dois aspectos. Primeiro a qualidade, e quando falo em qualidade, você vai me perguntar, qual carne é melhor, a argentina ou a brasileira? E de novo eu vou te responder, não é o país, é o boi. A pecuária argentina tem outro tipo de pasto, além disso o sabor é diferente. Não falo melhor, falo diferente.
O segundo aspecto são os cortes. Na Argentina existe uma Junta Nacional de Carnes, onde foi estabelecido o mapa de corte. O que se chama de vacio, por exemplo, tem este nome de norte a sul da Argentina. Já no Brasil, pelo contrário, os nomes mudam. No Rio Grande do Sul chamam de fraldão, já em outra região o nome é fraldinha. Vai mudando. Então os cortes são diferentes.
Uma palavra que define o Chico Parrillero
Entusiasmo. Eu sou formado em administração e contabilidade. Fiz curso de gastronomia na Argentina e aqui no Brasil fiz o curso de cozinheiro no Senac. Hoje não tem mais o de chef internacional, é cozinheiro. Também fiz pós-graduação de cozinha autoral na PUC-RS.
Quando entrei nesse mundo da gastronomia, achei ótimo, um mundo espetacular que fez todo o sentido para mim. Na verdade, parrilla é minha paixão. Porém, com esta pandemia, o segmento sofre muito, pois depende de pessoas exclusivamente para consumir. Então, a minha formação acadêmica me ajuda. Hoje sou gerente comercial de uma empresa na parte de agronegócios, também.
E quando falo em entusiasmo, é porque realmente quando estou em um dos mundos, sempre estou entusiasmado com aquilo. Quando trabalho na parte de eventos, tanto corporativos quanto residenciais, coloco, acima de tudo, bastante energia, vou com garra e vontade.
O curso foi um outro caminho. Comecei em 2017, vi um novo mercado, apostei bastante. Agora estou entrando na plataforma digital, um mundo que eu nunca havia pensado estar, porque como uma pessoa pode aprender a ser churrasqueiro, a usar a parrilla sem estar perto do fogo? Uma coisa é aprender a fazer receita, acertar o ponto, outra coisa é o sentimento. É diferente. Mas é sim, possível.
Essa questão de sentimento que você fala, Chico, a gente vê muito hoje, inclusive na Cutelaria. A banalização. Você vê banalização no seu segmento?
Com certeza. Eu acompanhei esse crescimento da cutelaria, e acredito que a palavra certa é prostituição. São aventureiros que aparecem, e é algo que desmotiva, porque o profissional tem a vida dedicada a isso, fala com propriedade do assunto, e os aventureiros chegam e começam a passar informação equivocada, a desinformar as pessoas.
Dessa forma, você é obrigado a fazer um marketing gigantesco para mostrar a sua propriedade naquilo que está fazendo. É o lado escuro da internet, assim como ela pode propagar bom conhecimento, há pessoas que se aproveitam desta rede para propagar informação errada. Eu sou contra isso. Se a pessoa me pergunta sobre faca, eu peço pra buscar uma cutelaria. Existe o bom cuteleiro, o bom açougueiro… eu acho que é ir direto na fonte. Se você quer ser bom, busca a pessoa que é melhor nisso. E foca no seu conhecimento.
Como é para um gringo a questão de olhar para fora e olhar para dentro, num país como o Brasil?
É aquele ditado, a grama do vizinho é sempre mais verde. Quando eu cheguei aqui, senti muito essa comparação, a rivalidade. Eu tinha que fazer uma escolha, ou fico como vítima ou começo a ver o lado bom. O Brasil é um país totalmente receptivo. Em Mato Grosso, onde eu moro é espetacular, muito calor humano, muito calor real também. (risos)
Sendo de fora, eu percebo também que os brasileiros muitas vezes não valorizam o que têm aqui. Não é nem falta de patriotismo, eu acho que é falta de conhecimento da cultura. Uau, quando você começa a ver isso, experimenta um sabor seu, da sua região, e nunca mais você quer ir embora.
Eu como gringo estou falando para você que tudo isso é maravilhoso. Estou amando farofa de banana, por exemplo, isso não tem em outro lugar. Mandioca, também. Então você olha pra mim e responde: nossa, eu nunca pensei desta forma, pois é algo comum para mim.
E vindo alguém de fora e falando tudo isso, pode ser um incentivo, para que o brasileiro valorize tudo o que tem.
Quais são os seus projetos futuros?
Eu estou com esta plataforma digital, que se chama “Viver de churrasco para eventos”. Hoje já tem 22 alunos inscritos. Criamos também uma plataforma chamada xurras.co, que vai ser como um guia para divulgação do trabalho de quem atua nesta área. Os churrasqueiros que se cadastrarem, por exemplo, vão ter todo o seu histórico, receitas, perfil das redes sociais nesta plataforma.
E o cliente final, aquele que busca o produto e serviço relacionado ao segmento de churrasco, vai conseguir encontrar de forma mais fácil pessoas que atuam em cada área específica, como churrasqueiro de parrilla, ou o que trabalha somente com proteína bovina, etc. Vai ser bem completo. Uma plataforma onde ajudo a divulgar e trazer clientes, além de ter também um espaço para divulgar parcerias.
E quanto aos cursos?
Vou continuar divulgando os cursos. O maior presente que Deus me deu é poder compartilhar o pouco que sei. E a comida e o conhecimento justamente juntam as comunidades. Depois quero criar uma academia sobre o mundo da proteína e da gastronomia regional. Acredito que o Brasil precisa olhar muito mais para dentro e ver o que ele tem de bom, porque é uma potência.
O Brasil é um país espetacular. Falo isso como gringo, então, por que olhar as coisas de fora? Prefiro valorizar o que é regional, como um bom peixe assado numa folha de bananeira, um arroz com galinha. Posso até procurar técnica de fora, mas aproveitar o que tem de bom aqui.
O que você faz nas horas vagas?
Boa pergunta? Qual é a hora vaga? Dormindo? (risos)
Eu vou contar o meu dia. Acordo perto das 4h30 da manhã, às 5 vou para a academia. Entro no trabalho às 7 horas e fico até meio dia. Almoço e às 14 horas retorno ao trabalho e fico até às 18. Ao chegar em casa, dou uma voltinha com a minha bebê, dou banho, converso. Depois estudo um pouco, pois estou aprendendo francês. Leio algumas páginas de um livro francês por dia. Eu amo leitura, leio todas as noites.
Final de semana é churrasco, evento. Além disso eu faço parte de um grupo que se chama Palhaços, da Operação Sorria. Não divulgo isso, mas é algo bom, atendo nos hospitais aos sábados de manhã. Agora está meio parado, mas é um momento da minha semana que aumenta muito a minha energia.
Estou realmente buscando conhecimento, e, acima de tudo, espero que esta pandemia passe logo para eu voltar a ter o restaurante. Gosto de conhecer a história de pessoas. E o restaurante é um excelente lugar para se conhecer histórias.
Que receita feita por você daria um capítulo especial?
Vou te falar algo que não tem a ver com proteína. Mas eu amo fazer. É Pera ao Vinho Malbec, com Queijo Canastra. Uma sobremesa argentina e na receita original, sempre vem acompanhada de um sorvete de creme.
Então resolvi inovar, acrescentando o queijo canastra. Sou apaixonado por este queijo. Fiz uma versão com a espuma do queijo também, ficou como mousse, um sabor que eu classifico como espetacular.
Quer conhecer um pouco mais das ferramentas utilizadas nas receitas do Chico Parrilero? Clique aqui
Como sempre uma aula de gastronomia da sua parte @chicoparrillero, para mim é um honra e um prazer tê-lo conhecido e ter sido teu aluno de parrilla, sempre aprendo muito a cada dia mais e mais contigo. Te desejo tudo de melhor e muito sucesso. Abraços…
Obrigado pelo comentário Douglas!
Un gran creador y emprendedor. Con pasión y profesionalismo en todo su quehacer. Una maravilla de ser Humano, una persona pro activa, inteligente, brillante y con mucho entusiasmo en todo lo que dice/hace/piensa y proyecta. Es una usina de ideas, en constante exploración de nuevas experiencias con un altísimo sentido estético y un fuerte espíritu innovador. FELICITACIONES!!
Obrigado pelo comentário Noemi, vamos repassar ao Chico.
Ele é um chef maravilhoso, já fiz 2 cursos com ele, e foi um dia de experiência incrível, indico para todos meus amigos. Quem conhece o Chico logo se apaixona pelo churrasco e por todas a receitas que ele ensina, ele divide seus conhecimentos, é uma pessoa ímpar.
Ele é uma pessoa muito querida e muito profissional, obrigada Helenice, pelo seu comentário. Vou repassar ao Chico.
Muito conhecimento, muito amor pelo que faz, surpreende no resultado!! Showwwwwwwwwwww
Obrigado Nixon, é muita dedicação e amor mesmo pelo que faz. E quando há paixão o resultado é maravilhoso!