Thiago Chiericatti é chef de cozinha especializado em empratamento. Criativo, detalhista e muito apaixonado pelo que faz, ele tem recebido merecido destaque nesses quinze anos de estrada na gastronomia. Seu grande professor foi o chef Tony Milano, que deu a oportunidade a Chiericatti de conhecer todos os setores de um restaurante e descobrir sua vocação. Nesta entrevista ele conta um pouco da sua história na cozinha, desde o início da sua carreira até os dias atuais.
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Como você começou na gastronomia, Chiericatti? Você vem de uma família de chefs?
Não vim de uma família de chefs, pelo contrário. Nasci na periferia de Belo Horizonte, uma área de alto risco. Tive uma adolescência um pouco conturbada, mas quando eu fiz 18 anos resolvi viajar para a Itália. Sou neto de italianos e por isso escolhi este país, mas o meu pacote de viagens era para sete dias, e tinha que correr contra o tempo. Já cheguei procurando emprego.
Comecei num restaurante, o Roma Café. Ok, era para lavar banheiros, mas eu aceitei mesmo assim. Em dois meses já falava italiano. E onde precisava de alguém eu estava a disposição, abracei cada vez mais trabalho, ajudei a lavar copos, depois ensinei o barman a fazer caipirinha da forma como fazemos aqui, e quando vi estava na cozinha. Claro que o meu interesse era basicamente financeiro, eu queria sobreviver, crescer. Dessa forma, me tornar chef foi por acaso.
Chiericatti, como foi o seu trabalho na Itália?
Então me tornei chef de partida, que é uma figura que só existe nas cozinhas maiores. Trata-se basicamente de um cozinheiro mais experiente, responsável por uma área específica. Então, quando isso aconteceu, meu sentimento com relação à cozinha mudou. Comecei a tomar gosto pelo trabalho. Amo liderar. E coordenar as equipes foi algo que me deixou muito à vontade. Vi que era o caminho que queria seguir.
O meu chefe na época era o Tony Milano. E não sei por qual motivo ele decidiu que não queria mais cozinhar, e como viajava bastante, pois tinha restaurantes também em outras províncias, deixou a cozinha ao meu comando. Quando retornou, percebeu que o restaurante continuou como se ele estivesse ali. Então ele me disse que eu seria um chef executivo. Eu nem sabia o que era isso, mas topei.
Nesse meio tempo eu estudei gastronomia na Italian Genius Academy, em Roma. Na verdade era uma bolsa. Eu achava que era, mas quando pedi o meu diploma, eles disseram que eu teria que quitar o curso, faltava uma parcela. Então, eu disse que era engano, pois era bolsa. Foi aí que descobri que a família Milano pagava para mim. Sempre me ajudaram muito, foram a minha família na Europa. Aprendi muito com eles nos quatro anos que fiquei na Itália.
E o empratamento, quando você enveredou por este caminho?
Quando decidi voltar para o Brasil, Marco Antonio Malzone me deu oportunidade de assumir um restaurante em Belo Horizonte. Além disso ele era consultor e começou a me passar consultorias para fazer. Foi um período de grande crescimento. Nestas consultorias eu conheci a Ludmila Tamietti, e recebi a proposta de assumir o restaurante Topo do Mundo, na região metropolitana de Belo Horizonte. Foi daí que passei a trabalhar com o empratamento de forma mais profissional, digamos assim.
Neste período em que estive à frente do Restaurante Topo do Mundo pesquisei bastante sobre artes, empratamento, cozinha européia e cozinha contemporânea autoral. Neste mesmo período namorei uma arquiteta que me ensinou sobre paleta de cores e as sensações que elas podem causar. E fui aplicando estes conhecimentos nos pratos.
Em 2016, quando a minha irmã teve câncer e faleceu, eu fui ficar com minha mãe um tempo, para dar uma força para ela. Então comecei a replicar os pratos que eu estava pesquisando, os testes que vinha fazendo. Fiz diversas releituras de pratos famosos, e de tanto copiar fui criando minha própria identidade. Vi que estava conseguindo me destacar e o empratamento me dava o que sempre busquei, o respeito profissional.
Embora na época os pratos que eu fazia, comparado com hoje, podem ser classificados como feios (risos), eu era o único que me preocupava com a apresentação. Não havia essa preocupação com a estética. Eu comecei a empratar coisas que eram improváveis, como por exemplo enrolar o macarrão na pinça. Isso era algo que ninguém pensava em fazer em uma cozinha média. Não falo de alta gastronomia, mas de cozinhas mais simples. Então percebi que era o caminho, e fui me especializando.
O que é esta história de comida que se movimenta?
Como eu disse anteriormente, eu comecei com releituras, hoje já sou de uma cozinha autoral, eu crio os meus pratos. Além da apresentação, tenho feito outros testes, como o projeto Comida em Movimento. É algo inovador por aqui. Além disso eu faço experiência com alimentos flutuando ou congelando na frente do cliente.
Esta técnica de comida em movimento eu vi há uns três anos atrás. Não me lembro onde foi, mas resolvi colocar em prática agora, e viralizou. É uma brincadeira, um entretenimento que eu quero que o meu cliente tenha. São estudos malucos que eu fico fazendo aqui e as pessoas estão gostando bastante. Eu não vendo comida, e sim experiência.
Como você, Thiago Chiericatti, consegue inovar nos seus pratos, transformá-los em obra de arte? Onde você busca sua inspiração?
Eu não diria obra de arte. Falo de inovação, sim. O mercado está muito na mesmice. Pós-pandemia só vai sobreviver quem tiver criatividade. Não tem espaço para quem ficar fazendo risoto e entregando em prato chapéu, por exemplo, nada contra quem faz isso, mas é algo a se pensar. O negócio é querer sair da mesmice. Eu acredito muito nisso, me cobro muito, quero melhorar, evoluir. E estou sempre trabalhando nesta melhoria.
Sobre a inspiração para os meus pratos, é uma pergunta que vários jornalistas já me fizeram e eu nunca sei responder. É um start que tenho. Aconteceu recentemente, é algo bem surreal. Estou dando consultoria em São Luiz do Maranhão e num destes eventos eu fiz 10 pratos. Um deles ficou abaixo da expectativa, mas o nível dos outros 9 estavam muito altos. A proprietária que estava avaliando as fotos me chamou e mostrou como aquele prato estava diferente dos demais. Aquilo ficou martelando na minha cabeça. Como eu deixei passar?
Fiquei me cobrando do meio dia até as 18 horas. Então tive uma ideia: se é feio, eu tenho que esconder este produto. Fiz um disco grande, decorei e coloquei por cima, escondendo desta forma a comida que estava embaixo. O cliente tinha que quebrar este “telhado”, comer, para depois chegar à parte que eu havia escondido. Foi uma inovação, algo totalmente diferente. Então não sei te dizer de onde vem, a ideia simplesmente surge.
O que é mais importante, o sabor ou a apresentação do prato? E como fazer este casamento entre o aroma e o empratamento?
O meu subchef de muito tempo é o Fabiano Albernaz. Ele tem uma mão absurda para o tempero. É um cara que trabalha o sabor ao máximo. Eu sei cozinhar, mas esta galera cozinha muito mais do que eu. Tem um pessoal novo que pesquisa o sabor, faz combinações. Não é a minha praia. Então eu busco este sabor junto com a minha equipe e é importante sim. As pessoas dizem: “Ah, o Thiago só sabe empratar”, mas não é verdade, eu cozinho muito bem, só que não igual a esta galera nova.
Então este sabor, unido com a estética é a combinação perfeita. Eu chego para o Fabiano e falo o que eu quero fazer, por exemplo: “Vamos fazer uma moqueca, colocar um peixe branco, uma farofa de bacon… um extrato de um óleo assim assado” e ele diz: “Deixa comigo, chef”, então ele corre pra trazer o sabor perfeito para aquele prato. Fica 24 horas coando o óleo, coisa que não tenho paciência de fazer. Então é um trabalho em equipe que visa buscar exatamente esta união do sabor e da estética do prato.
Como se destacar sendo chef com tantos chefs de ótimo nível que temos no Brasil?
Para se destacar no mercado é difícil, mas não é impossível. Claro que você não vai ter destaque fazendo o que todos já fazem assim, é preciso inovar. Eu por exemplo não tive apoio da mídia. Para chegar onde cheguei foram pouquíssimas pessoas que acreditaram em mim, nem mesmo a minha mãe acreditou que eu daria certo, mas eu mesmo confiei nos meus instintos e segui em frente.
Quando a minha irmã faleceu eu estava trabalhando no dia seguinte e ainda assim fui mandado embora. Então o caminho não é fácil, mas é preciso persistir. Para colher é preciso plantar, correto? Mas e a parte de regar? É o processo, eu respeitei o meu processo. Dessa forma, cozinheiro não vai ter reconhecimento com três anos, não. Este destaque vai vir com o tempo, somos como vinho, quanto mais velho melhor.
Para se destacar no mercado é fazer o que ninguém está fazendo, algo que é difícil pois a roda já foi inventada, mas sempre tem algo a ser feito, como por exemplo, pintar, tirar o aro. Você precisa fazer algo com esta roda. Caso contrário você vai ser só mais um no meio de tantos bons profissionais.
Você dá cursos também sobre empratamento, Chiericatti. Como funciona?
Antes da pandemia eu viajava o Brasil inteiro ensinando o máximo possível, passava todos os meus truques. Algo que eu gostava muito. Aí veio a pandemia, tive um tempo ocioso porque o restaurante teve que fechar, então eu gravei o curso online, com um acompanhamento muito de perto. O aluno manda mensagem direto pra mim, e eu vou orientando. Assim, tenho hoje mais de mil alunos ativos, e apenas dois que compraram e desistiram. Talvez não fosse o momento deles.
Tem alunos meus que participaram de reality show, que se destacaram. Um case de sucesso. Isso me dá muito orgulho. Na verdade todos os meus alunos de alguma forma, seja motivacional ou na prática e execução de pratos, pude perceber uma grande melhora no que eles me apresentaram.
Chiericatti, fala sobre os tópicos: tonalidade, estrutura e coloração.
Quando eu trabalho a tonalidade no curso, geralmente eu pego o marketing de 20 grandes marcas como por exemplo a Coca Cola, Ambev, e mostro que elas tem algo em comum, ou seja, não ultrapassam a tonalidade de três cores que não brigam entre si. Dessa forma, um prato não pode ter um ponto focal vermelho se você está usando tudo bege. Enfim, vou dar um exemplo de um risoto de queijo. Como você vai colocar um ponto focal vermelho? Não faz muito sentido.
Com relação à estrutura, eu posso dizer que a vida nos mostra que a geometria está presente em tudo. Um prato redondo ou quadrado é geometria. Então se você está trabalhando com o alimento nestas simetrias por exemplo, dá para se pensar no efeito espelho. Tudo o que você faz de um lado você faz do outro. Eu uso bastante esta técnica nos meus pratos e dá super certo.
A coloração é importante para a composição do prato. Eu fiz recentemente o mel e suas versões. O ponto focal é o mel. Então partindo deste ponto focal, a coloroção tem que casar com todo o resto. É preciso estudar um pouco as paletas de cores para não errar.
E a altura dos alimentos no empratamento?
Quanto maior a altura do prato, mais se tem a sensação visual de quantidade de alimento. Eu não me preocupo muito com a questão da altura, depende muito da comida a ser apresentada. Para alguns é interessante, como uma massa enrolada, por exemplo. Fica com mais volume e consistência, e esta diferença na altura acaba sendo um diferencial.
Detalhes. Conta um pouco sobre isso na sua arte, que é feita de detalhes.
Se não está perfeito, refaça e assim sucessivamente. Essa é uma regra que tanto eu quanto a minha equipe seguimos à risca. Um prato, assim como a vida, é constituído de detalhes. Um grão de farofa que está fora do contexto do prato, eu tenho que tirar. Eu sou bastante perfeccionista. Então, todos os detalhes são levados em conta durante o empratamento para que tudo fique harmônico.
Qual a importância da escolha da louça para a sua composição, Chiericatti?
Todo mundo sabe que eu gosto de usar o preto e o branco. Então, o preto destaca alguns alimentos e dá um ar de mistério. Já o branco destaca as cores primárias e dá a sensação de limpeza. São cores que eu gosto muito de trabalhar.
A louça no empratamento é 80% da estética do prato. Eu particularmente não consigo empratar em louça vermelha ou verde, por exemplo. Já tentei com o prato azul e deu certo, só que eu não gostei muito. Eu tenho uma louça linda, um prato todo torto que dá um destaque enorme para o resto do trabalho. Então, a ideia é unir um belo prato com uma composição bonita e harmônica.
Chiericatti, como conciliar a correria da rotina de um restaurante com o empratamento que leva mais tempo para ficar pronto?
Eu não vendo comida, eu vendo experiência. Se uma pessoa vem no restaurante onde eu sou o chef, ela vem para comemorar, se divertir. Se a pessoa sentou na mesa, ela vai receber experiência. Alimento sempre esteve envolvido com festa, desde a época medieval. Aqui não é diferente.
Se um prato é um pouco mais demorado na estética e na montagem, nós já avisamos o cliente que o tempo de espera vai ser mais longo. Cada vez mais o tempo no restaurante diminui, mas no caso de pratos como os nossos, o tempo de espera geralmente é de 25 minutos. O meu cliente vai estar ciente disso.
Este cliente está me dando o prazer de servi-lo com o meu trabalho, tenho que surpreende-lo, afinal de contas ele está esperando por isso. Sua expectativa é uma apresentação estética bacana, um sabor incrível, um prato bonito, dessa forma ele tem paciência e está mais aberto a essa espera.
E o kit empratamento do Thiago Chiericatti, como surgiu a ideia?
Durante o curso, os meus alunos estavam malucos procurando pinça e espátula para empratamento e não estavam encontrando. Eu conheci a Imperial e o Alexandre no Degustando Brasil, numa demonstração das facas do Jimmy. Achei as peças lindas. Então conversamos sobre eu assinar uma linha com estes itens difíceis de encontrar.
O tempo passou, e continuamos a conversa. Aí tivemos a ideia de fazer um kit com uma pinça de massa, uma pinça de precisão, uma faca e uma espátula. A pinça de massa de 30 cm é usada em praticamente todos os empratamentos que eu faço. A de precisão, por sua vez, ajuda nos detalhes do prato. Já a espátula, assim como a faca é feita sob medida, ou seja, não machuca a mão mesmo tendo que utilizá-las durante horas. Tudo pensado e testado.
O primeiro desenho da faca que a Imperial fez tinha o desenho da minha tatuagem nela. Uma ideia do Alexandre, que ficou linda demais. Mas eu pensei: “Cara, ficou tão bonita que as pessoas não vão querer usar, pelo contrário, vão guardar”. Aí eu conversei com dois ou três chefs e todos foram unânimes em dizer que não teriam coragem de usar, iam guardar, porque tinha ficado bonita demais. Dessa forma, pedi ao Alexandre para tirar o desenho da faca, mas ficou na capa do case. Pois a faca é para ser usada e não para guardar.
Eu sempre brinco que preciso de 4 coisas na minha vida profissional: a espátula, a pinça, uma faca e um sifão com gás. Com estes 4 itens eu consigo empratar qualquer coisa. E o Kit de Empratamento veio para isso, para suprir uma demanda do mercado, unindo o útil ao agradável.
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Arte na cozinha!
Arte na cozinha!TODAS AS CORES NUMA TELA COM SABOR
Sim, uma verdadeira arte! 🙂