A utilização de temperos e especiarias pela humanidade se confunde com a própria história da culinária. Com a função de melhorar o paladar além de dar cor aos alimentos, elas eram utilizadas pelos povos antigos como perfumes, aromatizantes, remédios e até como incenso em rituais religiosos. Além disso, no Egito Antigo eles eram usados inclusive para embalsamento dos mortos.
Pimenta-do-reino, noz moscada, cravo, canela. Você sabia que essas especiarias, hoje tão facilmente encontradas em qualquer mercadinho, já foram artigos de luxo e objetos de desejo? Encontraram os primeiros registros de especiarias em tumbas egípcias com data de 3000 a.C. Contudo, somente a partir do Século XV é que esses produtos passaram a ser valorizados, com as Grandes Navegações e os Descobrimentos Marítimos. Na Europa, principalmente, eles tinham grande valor, e eram utilizados inclusive como moeda.
Hoje, quem cozinha sabe o quanto os temperos, condimentos, especiarias e ervas são fundamentais para que a comida, mesmo no dia a dia, fique saborosa. Para garantir mais sabor aos pratos, é possível ir além da combinação tradicional de sal, cebola e alho.
Um hobby que virou negócio
Foi pensando assim que Marcia Chiad, jornalista, deixou a profissão para empreender um novo negócio. Dessa forma, ela passou a cultivar temperos e ervas medicinais como hobby em 1997, na chácara onde nasceu, no Mato Grosso do Sul.
Como ela sempre gostou de culinária, começou a fazer temperos para melhorar o sabor dos alimentos, ficando, dessa forma, mais prático na hora de cozinhar. “Misturava no sal alecrim, menjericão e orégano. Já no vinagre ia um ramo de flores e manjericão, no azeite um galhinho seco de sálvia, dessa forma foram surgindo temperos diferentes e o que era hobby acabou virando um negócio“, conta.
Assim surgiu o Recanto das Ervas, no ano de 2000. Começou como um viveiro de mudas e espaço para cursos. Contudo, como uma coisa leva à outra, o restaurante de alimentação natural surgiu em 2012. “Nosso propósito é oferecer saúde e qualidade de vida para as pessoas”.
Paixão por ervas medicinais
Marcia conta que as ervas medicinais são sua paixão. “Grandes aliadas da nossa saúde, dessa forma poderíamos evitar muitas idas à farmácia com um pequeno cantinho de ervas em casa”, explica ela. “Um pezinho de boldo para o estômago, poejo e guaco para a tosse, assim como menta para dias de resfriado e saião para melhorar nossa imunidade“, afirma.
Segundo Marcia, é preciso saber fazer as combinações corretas e as quantidades adequadas para cada chá, bem como saber fazer o chá, pois dependendo da forma o princípio ativo medicinal se perde. “Os temperos também são aliados da saúde. Um alimento temperado com salsinha, por exemplo, pode ajudar muito na nossa imunidade pois é rica em vitamina C”, conta ela.
“O alecrim é a erva da alegria. Quando estiver muito triste, baixo astral, basta passar a mão em um pé de alecrim e cheirar, ou fazer um chá e beber. Assim o humor vai melhorar muito, você vai se sentir muito mais confiante”, conta.
Hortelã, cheiro de infância
Marcia conta que muitos cheiros e sabores remetem à sua infância, na chácara de sua família. “Minha mãe sempre fazia chazinho de hortelã, quando chegava o inverno. Sentíamos o vento frio entrando pela janela, a xícara fumegante na mão. A gente soprava para esfriar e tomava em pequenos goles. O aroma de hortelã enchia a cozinha, assim como toda a casa. Até hoje, esse cheiro me faz voltar no tempo“, relembra.
A hortelã geralmente ajuda a melhorar a gripe ou a digestão, mas é comprovada também para combater os vermes. Uma pesquisa da Universidade de Brasília constatou que a folha de hortelã tem uma concentração alta da substância que acaba com os parasitas. Entretanto, Marcia explica que, independente de pesquisa, sua mãe já sabia disso. “Ela usava a hortelã no combate aos vermes. Então tem muito do conhecimento popular na utilização das plantas medicinais, ervas e temperos”, relata.
Marcia recomenda usar as ervas em tudo: na comida, nos sucos, nos chás. “Elas melhoram muito a qualidade da nossa alimentação, dessa forma nos dá mais equilíbrio e melhora nossa imunidade”, afirma. “Nos legumes indico colocar nirá, uma erva com sabor de alho, fica dessa forma, delicioso. No omelete também, um punhado de nirá, por exemplo, faz dele um prato especial“, finaliza.
Veja no infográfico os principais temperos naturais, seus benefícios medicinais e indicações para uso na culinária.
Comida sem gosto, não!
Marcílio Galeano, chef de cozinha, 39 anos, já morou na Europa, tem curso de especialização em educação e gastronomia em São Paulo, participou do Super Chef 2011 no Programa Mais Você da Ana Maria Braga e tem uma vida dedicada à cozinha. Para ele, tempero é a base de tudo na comida. “A gente tem uma vantagem, a nossa comida é mais temperada que a maioria dos países e eu sou apaixonado por essas especiarias”, conta.
Quando viaja, Marcílio sempre prioriza trazer itens locais para incrementar nos seus pratos. Ele acredita que a onda saudável tem feito com que os chefs e cozinheiros percam a mão, ou seja, estão fazendo comidas sem gosto e sem tempero. No Tutu Gastronomia, onde Marcílio é proprietário e chef, o lema é comida com sabor, tempero e técnicas diferentes. “As pessoas estão preocupadas com esta parte saudável e esquecendo do sabor, mas dá pra conciliar as duas coisas“, conta.
O sal não é o vilão dos temperos
Segundo Marcílio, as pessoas estão sempre perguntando qual ingrediente combina com que comida. Existem livros, documentários, textos e matérias na internet, mas a forma real para entender é experenciar. “As vezes a gente acerta e guarda, outras a gente erra e elimina, não é difícil mas é necessário cozinhar direto, fazendo experimentações“, afirma.
Ele sempre quis entender de ervas aromáticas. Para Marcílio, um dos ingredientes especiais é o sal, hoje considerado vilão na culinária. Segundo ele, o alimento precisa de sabor e o sal tem essa função de realçar o aroma na comida. “Lembra daquele bolo que as avós faziam? Bolo salgado com uma pitada de açúcar ou bolo doce com uma pitada de sal? Isso explica a função do sal, que é de realçar o sabor. A questão é não exagerar“, explica.
Manjericão, amor à primeira vista
Para ele, amor à primeira vista é o manjericão. “Você pega a folha, dá uma raspadinha nos dedos para tirar um pouco do óleo essencial e sente o sabor. Em minutos você transforma num pesto e é assustador a potência que ele tem, a diferença que faz no alimento”, pontua.
Já como tempero ‘coringa’, Marcílio usa o coentro em grão. “Quando eu tive contato com as especiarias, principalmente o coentro em grão, tudo mudou. Você tosta na panela e sente todo aquele aroma”, conta. “Sabendo usar realmente faz diferença. Sabe quando a pessoa não tem ideia de onde vem aquele sabor, fica com aquele retrogosto na boca? Ele quer saber o que é, mas não tem ideia e isso é muito bacana”, explica.
Dona Aida: Isso não é comida árabe!
Marcílio se aprofundou nas especiarias quando resolveu fazer comida árabe. Como não tinha experiência, fez um prato e pediu para o seu amigo levar para a família experimentar. Eles provaram e disseram que aquilo não era comida árabe. Então, convidaram o chef para um verdadeiro almoço árabe, desde ir ao mercado comprar os ingredientes, até a finalização do prato.
Dona Aida, mãe deste amigo, ensinou tudo de especiarias e foi daí que ele aprendeu a utilizar várias combinações, inclusive o coentro em grão. “Foi muito especial, marcou muito. Hoje eu tenho outros olhos para os temperos, ervas e especiarias por causa deste aprendizado. Dona Aida não está mais entre nós, mas é uma pessoa que fez diferença e a quem homenageio com um prato no meu restaurante”, conta ele.
Harmonização e mistura de sabores nos temperos
Para o chef, quando se fala em harmonização e mistura de sabores, a única coisa que não existe é regra. Contudo, uma dica que ele dá é usar erva fresca para temperar a carne, por exemplo. “Um galho de alecrim, um tomilho fresco ou mesmo uma folha de louro faz toda a diferença”, explica.
“Eu passei anos tentando fazer o feijão de fazenda da minha vó, aquele de fogão à lenha, e consegui usando a folha de louro fresco. Então se você pegar uma carne de qualidade, usar ingrediente fresco é um segredo que nenhum chef te ensina, mas torna o sabor do alimento muito especial“, finaliza.
Temperos: Menos é mais
“O menos é mais quando se fala em temperos“, afirma Helen Braz, chef e proprietária do Tropeiro Gastrô Gourmet em Campo Grande, assim como vencedora do Prêmio Dòlmã 2019/2020 pelo MS, considerada a rainha das quentinhas. Ela afirma que é preciso tomar muito cuidado para não colocar vários temperos contrastantes, porque dessa forma o sabor do prato desaparece.
Helen conta que cozinha desde os 8 anos com sua avó e os temperos e ervas têm o aroma de sua infância. “Minha avó tinha muito conhecimento sobre as plantas, e tudo o que precisava estava no quintal. Então esse cheiro de coentro, salsão, salsa, cebolinha, pimenta e canela me remetem à infância, às galinhadas, às reuniões de família em casa”, conta ela.
Coentro, você ama ou odeia?
O que não falta na cozinha de Helen é o coentro, um tempero que as pessoas amam ou odeiam. “Existe muito preconceito contra o coentro, principalmente aqui no MS, mas sabendo usar ele fica muito interessante, pois traz um sabor único ao alimento“, explica.
Uma dica sobre o coentro é colocar primeiro ele na panela. “Você esquenta o azeite (ou manteiga, óleo, banha), coloca o coentro e em seguida a cebola, fritando até ficar transparente, para depois acrescentar o alho. O sabor fica incrível”, conta. “Então, na finalização eu uso salsão, salsinha, cebolinha, mas o coentro em particular tem que ser o primeiro a estar na receita. Utilizo também ervas frescas basicamente em todos os meus pratos”, afirma.
Segundo a chef, está na moda usar especiarias em sobremesas. Aroma de fumaça em pó é um diferencial, além de manjericão, alecrim e inclusive bacon, que acrescenta um sabor de defumação. “Nosso paladar está pronto para o doce, o azedo, o salgado, o amargo e entra o quinto sabor, que o umami. Então, quando você sente este quinto sabor e é muito interessante”, conta.
Pimenta e aroma de fumaça como temperos
Helen dá uma dica para deixar a geleia com sabor incrível: Acrescentar pimenta e aroma de fumaça. Para ela, a inovação nos pratos fazem parte do dia a dia da maioria dos cozinheiros, e o tempero tem uma grande participação nesse processo. “Eu amo alecrim, por exemplo, e uso muito no tempero de carnes. Mas na sobremesa e nos drinks, ele torna tudo muito especial”, conta.
Além do alecrim, Helen coloca bastante manjericão, hortelã, cardamomo, assim como hibisco desidratado nos doces. São criações que dão um novo sabor ao prato, segundo ela.
O tempero está aí, usa quem quer
Muita gente usa somente sal, cebola e alho. Claro que são clássicos que nunca faltam na cozinha, mas é preciso saber sair do lugar comum, por isso a chef explica que além disso, na sua lista de prioridades está o coentro, como já falou anteriormente, salsão, cebolinha, salsinha, alho poró, canela – que ela usa em algumas carnes, assim como gengibre e especiaria de guavira, que é regional, e substitui a noz-moscada. Anis estrelados e cravo também estão entre os condimentos que ela tem na cozinha.
“Eu não gosto de cominho, por isso substituo por ervas frescas, canela e cravo para temperar a carne de gado, por exemplo”, conta. “Já o peixe fica maravilhoso se no tempero tiver gengibre, no frango eu recomendo colocar salvia e manjericão, e no porco ou carne de caça o zimbro. O sabor vai ficar muito harmonizado”, finaliza ela.
É tudo questão de equilíbrio
“Equilíbrio é a palavra chave para a utilização do tempero”, acredita Rodrigo Queiroz, 44 anos, assador e proprietário do Mr. Blues. “O importante é manter a intensidade do sabor da carne e no retrogosto você sentir o tempero“, afirma.
Rodrigo conta que abriu a empresa em razão de uma carne temperada que fazia para a família, o famoso “cupim thai”. Segundo ele, é temperado com molho tailandês que vai gengibre, laranja, shoyu, açúcar mascavo, assim como alguns ingredientes que são segredos da vovó. “As pessoas tentam copiar, mas não conseguem, ele fica agridoce, um sabor incrível“, conta.
Tempero de dentro para fora
Todos os pratos do Mr Blues são criações de Rodrigo. “O frango texano, como exemplo, é um prato que tem um tempero especial. Dentro dele vai chimichurri, alho e limão“, explica. “É assado nas máquinas de frango, e vai evaporando, ou seja, o tempero vem de dentro para fora. Fica espetacular”, conta.
Além dos temperos tradicionais, e os não tão tradicionais assim, Rodrigo fala que existem outros fatores para compor o sabor da carne. No entanto, em alguns casos, utiliza a lenha de macieira para defumação. “Não é considerado um tempero, mesmo assim dá um toque especial na proteína, proporcionando uma nota de sabor frutado e adocicado“, afirma.
Segundo ele, é todo um conjunto para chegar no sabor que se quer. “Eu sei que o tempero chegou no ponto que eu quero, quando o sabor que eu tenho na mente entra pela minha boca. Aí eu percebo que acertei“, finaliza.
Como vimos, os temperos e ervas imprimem sabores especiais à nossa comida e nos fazem viver melhor. Assim, junto com eles, ter uma variedade de produtos saudáveis no cardápio pode representar mais qualidade de vida e bem estar. É através dos alimentos, com seus temperos e ervas, que é possível regular as funções do nosso organismo e até mesmo salvar nosso corpo de doenças, afinal aquele ditado “somos o que comemos” faz todo o sentido. E aproveitando, visite a nossa loja online e veja algumas sugestões de facas específicas para a preparação dos seus alimentos.
Agora que você já sabe tudo isso, o que acha de criar uma pequena horta aí na sua casa?