O mundo todo conhece o presunto espanhol, o famoso Jamón, por seu sabor singular. Quem já provou afirma que nunca mais esquece. Ele provoca uma explosão de aromas na boca. É um dos produtos preferidos da gastronomia ibérica para os espanhóis, e reconhecido como iguaria espanhola. Eles são divididos em dois tipos: o jamón ibérico e o jamón serrano.
Para entendermos mais sobre o presunto, conversamos com Diego Carrilho, 32 anos, que é referência quando o assunto é Jamón. Formado em marketing, viajou para a Espanha em 2014, para aprender sobre o Jamón. Na volta para o Brasil, se formou em gastronomia e hoje toca o Empório Pata Negra, que é a primeira jamoneria do Brasil, atuando dessa forma como loja física e online.
“O jamón serrano é um presunto feito a partir dos suínos brancos e rosas. Estes animais são mais comuns, mais fáceis de serem encontrados”, explica Carrilho.
“Já o jamón ibérico, também conhecido como pata negra, vem de uma raça especial, que já entrou em extinção, só é encontrada na península ibérica, divisa da Espanha com Portugal. É uma raça diferenciada”, conta.
Ele diz que dentro da categoria de jamón ibérico existem 4 classificações que são: Bellota 100% ibérico, bellota ibérico, cebo de campo ibérico, assim como cebo ibérico.
O que são bellotas, que fazem tanta diferença no sabor
A bellota é um fruto da árvore chamada de azinheira. Uma castanha. Este é o alimento preferido do porco ibérico. “Muita gente acha que o porco se alimenta de bellota a vida toda, mas é um mito. O período da montanera (engorda) é de novembro a março, que é quando as castanhas amadurecem e caem das árvores”, explica Carrilho. “Neste período o animal consome a bellota, mas não exclusivamente, ele se alimenta também de ervas”, conta.
Existe um consórcio que fiscaliza o processo de alimentação dos animais. É preciso ter pelo menos 10 pés de azinheira em uma hectare de terra, para cada suíno. As fezes desses animais são recolhidos e enviados para laboratório. “É necessário ter 90% de níveis de bellota para que o suíno possa ser classificado como jamón ibérico 100%. Caso contrário, será classificado como cebo de campo”, esclarece Carrilho.
A bellota agrega muito no sabor carne, trazendo um sabor adocicado, característico do jamón pata negra. Deixa, também, a carne com mais concentração de gordura, com marmoreio. Tanto pela alimentação quanto pelo processo de fabricação, que é a cura e maturação, a gordura é considerada vegetal, ou seja, tem as mesmas características do azeite de oliva. É uma gordura boa, que não afeta o colesterol.
Classificação por etiquetas
As etiquetas, que em espanhol se chamam precintos, são uma normativa criada em 2014 na Espanha para organizar e deixar o mercado transparente. Todo ibérico que sai da Espanha obrigatoriamente tem que ter um precinto das cores: preto, verde, branco ou vermelho.
“É uma forma de rastrear. Cada produto vem com a etiqueta em uma destas cores, e atrás tem um código de barras. Você baixa o aplicativo (link aqui) e lê este código”, esclarece. “Ali vai aparecer todas as informações referente àquela peça de jamón, quando ele entrou para a maturação, por exemplo, qual é a raça, classificação. Tudo para você saber se tem um presunto bom ou não”, informa. Para Carrilho essa normatização foi um grande avanço no setor.
A importância da faca correta
Carrilho afirma que a faca jamoneira (ou de fiambre) é imprescindível para que o trabalho de corte seja feito da forma correta. Para ele, o maior pecado que alguém pode cometer é cortar a peça de forma errada.
“Se você fatia a peça deixando por exemplo a gordura toda de um lado, e sem gordura do outro, você acaba com o trabalho de quem maturou a peça. Tem presunto que demora 72 meses maturando, imagina o estrago que você fez”, conta ele. “Por isso uma das coisas que você tem que aprender, é cortar a peça de forma correta.
As partes do Jamón
A tradução da palavra jamón é presunto, dessa forma, ele só pode ser feito da parte traseira. Segundo Carrilho, algumas pessoas acham que a parte dianteira do porco também é jamón, mas na verdade é paleta curada. Assim, as partes do jamón são:
Babilla: parte superior da peça, a mais magra, assim como a mais sequinha e mais curada.
Maza: Parte inferior do pernil, que tem bastante gordura infiltrada. Esta é a parte da explosão de sabor (umami), pois ela tem mais equilíbrio. É a melhor parte do jamón.
Contramaza: Esta parte fica entre a ponta e a maza, na curva onde está localizado o osso da bacia. Um pedaço bem gorduroso e um pouco mais difícil de cortar, dessa forma a fatia sai um pouco menor. Mas é muito saborosa.
Jarrete e Caña: Depois da babilla, é como se fosse a canela. Este pedaço não se fatia, corta em taquitos, ou seja, uns cubinhos, para aproveitar a carne. Assim, é uma parte bem fibrosa.
Punta: Saborosa por seu alto teor de infiltração de gordura, mas às vezes pode estar um pouco salgada nesta parte.
A arte do corte de cuchillo
Carrilho explica que a faca tem que ficar plana. É um processo que requer técnica, tempo e dedicação, além da faca certa. “É importante a precisão tanto na espessura quanto no tamanho das fatias para obter o melhor da peça e manter o sabor”, conta ele.
O Maestro cortador de jamón, como é chamado na Espanha, é o profissional encarregado de transformar o presunto em experiências gastronômicas inesquecíveis. “É como servir vinho, é uma arte, e isso requer extrair o máximo não só da carne, mas também do sabor”, exemplifica.
Segundo Carrilho, quando está cortando a peça, ele separa as partes em cada prato. Não coloca, por exemplo, a babilla junto com a mazza. É o mesmo jamón, contudo os sabores são distintos. “É preciso ter tudo isso em mente para entregar ao seu cliente. Para obter fatias perfeitas é importante conhecer a fundo a técnica do corte, ter um bom suporte e excelentes facas, dessa forma aproveitamos tudo o que o jamón tem a oferecer, seja ele ibérico ou serrano”, finaliza.
Como é feita a produção do Jamón
Depois da criação do porco, vem a cura e maturação do Jamón. Para falar um pouco sobre esse processo de produção, conversamos com Orlando Gonzales Rodrigues, 54 anos, diretor da Hispania Import, que atua com importação há 12 anos, e há 8 importa jamón. Sua empresa fica em Extrema, no sul de Minas Gerais, com representantes por todo o Brasil, e o foco do produto principal é o presunto.
Segundo Orlando, as leis espanholas determinam que um porco deve ter pelo menos 6 meses de idade e no mínimo 90 kg para o abate. Além disso, as patas traseiras devem pesar pelo menos 9,5 kg in natura, e a capa de gordura tem que ter 0,8 cm, depois disso é que a produção começa.
Cuidado, tempo e dedicação
Após o abate do porco, vem o processo de limpeza do pernil, onde retiram-se as veias e tendões. É feita a pesagem, depois uma espécie de massagem para retirar o sangue. Em seguida o pernil vai para a salga. “As peças ficam de forma horizontal e são cobertas com sal marinho. Dessa forma, elas vão absorvendo o sal até a zona muscular, o que é fundamental para a sua conservação”, pontua Orlando. “Depois disso leva-se o jamón para tirar o excesso de sal e em seguida vai para a secagem. O Jamón Ibérico costuma ficar na cura de 24 a 72 meses, contudo o Serrano tem maturação de 12 a 24 meses”, esclarece.
E não é só isso, durante a secagem os pernis ficam em câmaras frias, com temperaturas oscilando entre entre 15ºC e 25ºC e umidade relativa do ar entre 40 e 65%. Depois são pendurados em grandes espaços para a secagem natural, com janelas abertas para a livre circulação do ar. “Especialistas acompanham o processo, os chamados mestres jamoneiros, que perfuram a carne em pontos específicos para conferir o seu cheiro. Quando elas já estão curadas, passam por mais um processo de pesagem, avaliação e triagem, e são cobertas com manteiga de gordura de porco para sua conservação”, relata Orlando.
Mitos e Verdades
Existem vários mitos em torno do jamón, como por exemplo de que as manchas brancas do presunto são acúmulos de sal e isso faz mal à saúde. Não é nada disso.
Orlando explica que pelo contrário, o jamón está com excelente qualidade quando tem estes pontinhos brancos. “São chamados cristais de tirosina, que se trata de um aminoácido que integra as proteínas, e estes cristais são produzidos naturalmente durante o processo de cura do presunto”, relata. “Significa que o processo de curação foi feito da maneira correta, com cuidado, tempo e dedicação”, conta.
Um outro mito é de que o jamón é muito gorduroso e faz mal á saúde. “Pelo contrário, é fato que o jamón é um produto extremamente saudável. Para se ter um ideia da diferença do jamón para o parma, por exemplo, este é curado basicamente no sal, enquanto o jamón tem o seu processo de sal, mas durante a cura só é utilizado temperatura e umidade”, informa Orlando.
Os cuidados com o Jamón
O jamón é uma peça curada, portanto tem alta durabilidade. De acordo com Orlando, se for o presunto sem osso, geralmente ele vem da fábrica embalado à vácuo. Ao abrir, o ideal é envolver em plástico filme e manter refrigerado. Já o presunto com osso, o processo de conservação é um pouco diferente. “Quando você abre a peça, tira uma parte da gordura e guarda. Essa gordura vai ser importante para a conservação da qualidade e do sabor do jamón”, explica.
Segundo ele, após o corte da peça, na hora de guardar, coloca essa gordura por cima, envolve com um plástico filme para compactar, usa um paninho branco sobre o presunto e pronto. Depois é só deixar em um lugar fresco, que o jamón vai durar semanas e semanas.
De acordo com Orlando, quem não conhece ou nunca experimentou, não sabe o que está perdendo. “É um presunto com sabor incrível, uma experiência gastronômica da tradição espanhola, que é muito rica. Eu sempre digo que depois que tudo isso passar, visite a Espanha e claro, coma jamón!”, finaliza.
Com uma tradição centenária e os processos de produção de alto padrão, o jamón é um alimento muito versátil. Ele pode incorporar pratos refinados, contudo, sendo um alimento tradicional na Espanha, faz parte também de pratos simples, consumidos em aldeias, no dia a dia das famílias e nos almoços rápidos nos grandes centros. Se você ainda não provou, com certeza vai gostar muito. Se já consome, conte para a gente o que acha, nos comentários.
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