O processo de maturação a seco, conhecido como Dry Aged tem ganhado a preferência de alguns apreciadores de churrasco, como o Francisco Almeida, 41 anos, empresário, palestrante e professor, morador da região do Grande ABC Paulista. Ele se intitula como carnívoro, além de amante de boa comida. “Diferente da maioria que prefere a carne mais fresca para o churrasco, eu prefiro a maturada, por sua maciez e suculência. O sabor é incrível, totalmente diferente do que estamos acostumados”, conta.
Para Francisco, a carne que passa pelo processo de maturação se torna especial pelo fato de ter o seu sabor melhorado, manter a maciez e a suculência da carne, assim como a segurança de consumir um alimento que não é fresco, mas com todo o processo de maturação, é como se fosse, pois mesmo depois de todo este tempo, ela continua segura para o consumo.
“Eu sou um apreciador do Dry Aged, a carne maturada faz parte do meu cardápio semanal”, esclarece. Para ele, que sonha em ter um restaurante especializado nesta proteína, a maturação é uma forma de extrair o máximo possível de sabor de uma peça de carne. “Fica espetacular, depois de fazer um churrasco com a carne maturada, você nunca mais vai querer o tradicional”, enfatiza Francisco.
Mas afinal, o que é Dry Aged?
A técnica é antiga, praticada em países como os Estados Unidos, Austrália e Argentina, que tem uma cultura voltada para preparo de carnes e de churrascos. Este processo surgiu para facilitar o transporte de carnes para as diferentes regiões do país. Trata-se de um processo para a conservação da carne.
A peça é armazenada sem nenhuma embalagem, em temperatura de refrigeração controlada, com ventilação constante e umidade, por algum tempo, para permitir os processos enzimáticos e bioquímicos naturais que resultam em mais maciez, assim como um sabor único. Nesse período o conteúdo líquido do alimento seca, aumentando a concentração do sabor.
Quem trouxe esta técnica para o Brasil foi o açougueiro Rogério Betti. O sucesso foi tanto, que ele acabou criando a marca deBetti, que hoje é referência quando o assunto é Dry Aged. “Nessa técnica há uma perda considerável no peso total da carne, por isso ela costuma ser mais cara”, explica Pedro Rossi Corrêa Ricci, 25 anos, gerente de marca do DeBetti.
Tempo de maturação e tempero
No Dry Aged não existe um limite máximo de maturação, segundo Pedro, contudo o prazo mínimo indicado é de 30 dias. “A medida que o tempo passa na câmara de maturação, a carne perde umidade e concentra o sabor”, explica. “Para isso é necessário uma geladeira ou mesmo uma câmara fria, onde exista os três controles – a temperatura, a umidade e a ventilação”, conta.
De acordo com Pedro, a maior parte das pessoas que trabalham com o Dry Aged usam o lombo animal, de onde são retirados o contra filé e o filé de costela. “A escolha deste corte é por conta da sua característica física, de um lado osso e de outro a gordura. Dessa forma a carne fica protegida”, esclarece.
Pedro diz que existem várias maneiras de se fazer o Dry Aged e cada especialista tem seu método e tempo de maturação. “No caso do DeBetti, preferimos temperar após o processo de maturação, antes de ir para a grelha”, explica.
Sem literatura sobre Dry Aged, há diferentes visões
Marco Antonio Souza Junior, 50 anos, empresário, churrasqueiro e carnívoro, mais conhecido como o Marcão do O AÇOUGUE, uma loja de carnes nobres de São Paulo, tem a expertise com o Dry Aged. Ele relata que o procedimento para a maturação da carne é feito após a desossa. O corte não pode ser embalado à vácuo, pois dessa forma ocorre uma maturação com o sangue, que é molhado, e no processo de maturação Dry Aged essa maturação é à seco.
De acordo com Marcão, depois da desossa, o corte vai para a câmara de maturação, onde a temperatura e a umidade são controladas. “Não há uma única literatura a respeito e há diferentes visões para o mesmo processo. No nosso caso, garantimos uma temperatura entre -1.0 °C e 1.0°C e umidade abaixo dos 60%“, explica. “Isso me garante uma textura macia de maturação das fibras, assim como na secagem, um sabor amanteigado. Umidades maiores podem resultar em um sabor mais proeminente de queijo, mas eu particularmente não gosto desse resultado”, conta.
Quanto mais tempo de maturação, mais cara fica a peça
Os equipamentos necessários são geralmente uma geladeira adaptada para trabalhar numa temperatura entre -1.0 °C e 1.0°C e umidade abaixo dos 60% ou uma câmara. Existe no mercado câmaras específicas para este fim, com desumidificadores e ainda com pedras de sal, que mantém a umidade baixa.
Com relação ao tempo de maturação, o período varia. Nos Estados Unidos há Dry Aged de 14 e 28 dias, em restaurantes, o que dá um gosto bem suave. “Aqui no O AÇOUGUE, nós deixamos no mínimo 35 dias, mas particularmente, eu acho que o período ideal é de 60 dias“, esclarece. “Temos que analisar o custo benefício para os clientes, pois quanto mais tempo de maturação, mais a peça perde em umidade e o custo fica maior“, especifica.
Como teste, Marcão conta que fez uma peça para o consumo próprio que ficou 180 dias, ou seja, seis meses maturando. “Essa peça ficou com um sabor excepcional e o fato curioso foi que quando eu adicionava o sal, matava o sabor do UMAMI da carne e parece que a maturação entra sobreposta pelo sal. Em resumo, comemos sem sal e está divina“.
Dicas do Churrasqueiro
Com relação ao tempero, vai de churrasqueiro para churrasqueiro. Marcão diz que gosta somente de sal e às vezes de pimenta moída na hora. Para ele, os temperos interferem na reação de Maillard na grelha. No caso do Dry Aged, especificamente, o sal por menos que atue, faz o processo de osmose, retirando um pouco de água do corte, sendo que o processo de maturação já retira a umidade, e com isso ela pode ficar seca na preparação.
Pode-se utilizar qualquer corte para fazer a maturação, mas normalmente os cortes maiores são utilizados comercialmente, como o lombo ou o jacaré, contendo o ancho e o contra filé, com o filé mignon e com o osso. Outros cortes, como a queridinha do churrasco, a picanha, pode ser utilizada, mas com uma perda de 30%. O rendimento de um corte menor sem osso, acaba elevando os custos e consequentemente o preço de venda.
Uma recomendação importante é que, se você não conhece bem o processo e quer apenas consumir, é preciso preparar a peça no máximo em 2 dias. Caso não for consumir neste período, congele para que o processo de maturação fora da câmara seja interrompido, pois ele continua. “Quer algumas dicas? Fogo alto, regra dos 5 segundos, grelha nela e consuma mal passada para usufruir do melhor sabor da maturação. Cortes Dry Aged bem passados perdem seu sabor característico”, finaliza Marcão.
Butter Beef, você já ouviu falar?
O Dry Aged com adição de uma camada de manteiga ao processo é chamado de butter beef. Para Caio Vinícios Fernandes, 25 anos, de São Paulo, o butter beef tem principalmente duas funções que são: melhorar ainda mais o sabor da carne e maior aproveitamento da peça. “A manteiga, além de proteger, agrega sabor na hora da cocção, tanto na panela quanto na churrasqueira”, informa.
Caio conta que é veterinário, e trabalhando na área de inspeção de alimentos, conheceu a técnica Dry Aged. Com a pandemia, passou muito tempo em casa e se aprofundou estudando sobre o assunto. Depois fez um teste publicando nas redes sociais o passo a passo de uma maturação a seco em uma peça de contra filé, envolta em manteiga, o butter beef.
A repercussão foi tanta, que ele criou a marca CaFer Dry Aged, e começou a fazer isso comercialmente. “Atualmente estou entregando meu primeiro lote de butter beef, assim que terminei de maturar, já estava tudo vendido”, conta ela, entusiasmado.
Um dia depois do outro e a ansiedade em alta
A produção, segundo Caio, é bem simples, mas a espera sempre gera ansiedade. “Precisa ser uma peça de carne bem rústica, com a gordura e o osso, porque a peça vai perder umidade e encolher. Além disso, se forma uma casca escura que precisa ser retirada na hora do consumo, isso gera uma perda de 25 as 30% da carne”, explica. “Já o butter beef é o mesmo processo, só que com a manteiga, que irá proteger a carne durante todo o período de maturação. Dessa forma não haverá perda, assim é possível usar peças mais nobres, como por exemplo o bife ancho”, esclarece.
A metodologia envolve a estocagem da peça inteira envolta por manteiga em câmaras com condições controladas de temperatura, de ventilação e de umidade, contudo sem o uso de embalagens. Além do sabor, o processo faz com que a carne fique mais macia como um benefício secundário. Dessa forma, a proteína ganha também um sabor amanteigado.
A decisão é do churrasqueiro
Depois de no mínimo 30 dias de maturação, retirar ou não a manteiga da peça na hora de consumir depende do gosto pessoal do churrasqueiro. “Eu mantenho a manteiga. Na grelha ela vai derretendo e dando mais sabor à carne. Eu uso flor de sal, e coloco somente depois da cocção, pois deixo a manteiga agir com a proteína. Acredito que o sal grosso pode atrapalhar o processo” conta.
Caio afirma que por conta da maturação, a gordura e a proteína do tecido da carne acabam se entrelaçando, tornando o sabor único, incrível e amanteigado. “Eu sempre digo que o butter beef é para iniciante que não está acostumado com o gosto forte do Dry Aged, pois a manteiga suaviza o sabor e deixa a carne com um leve toque de queijo”, explica.
Peixes Dry Aged
E não é somente a carne bovina que passa pelo processo de Dry Aged. Os peixes e os pescados em geral também podem ser maturados. “O processo é muito parecido com o da carne bovina, mas os peixes tem uma maturação bem mais acelerada. Basicamente a diferença é o tempo que no peixe é menor”, esclarece Rick Taylor Ferreira, 28 anos, shushiman e cozinheiro, responsável pelo Açougue do Mar em Santos – SP.
Ele explica que cada pescado se comporta de uma maneira. Os peixes grandes tem um efeito melhor depois da maturação do que os pequenos. Como o peixe perde muita água, o seu verdadeiro sabor fica mais evidenciado, ou seja, a maturação intensifica o sabor, assim é possível sentir o verdadeiro aroma da carne.
O tempo de maturação varia de acordo com o peixe. Um peixe PP, P ou M, tamanho padronizado por polegadas no Açougue do Mar, com dois dias na câmara já secam muito bem, contudo, um pescado grande para ter o mesmo efeito, tem que ficar em torno de sete dias na maturação.
Novas notas de sabor para o pescado
Segundo Rick o processo se resume em uma deterioração controlada da carne. No caso do peixe, a temperatura é de 0º, assim é possível chegar o mais próximo do congelamento porém sem congelar“, explica. “Conservamos os peixes de maneira individual sem contato com a água e o gelo, dessa forma conseguimos manter o peixe fresco por mais tempo, sem o cheiro forte e com uma carne mais saborosa“.
De acordo com Rick, durante o processo as enzimas quebram as proteínas da carne fazendo com que o alimento fique mais macio e cria novas notas de sabor, dando um toque a mais para o pescado. “A principal característica é a maciez da carne, o cheiro de maresia que não fica presente no pescado e o UMAMI que a carne adquire com esse processo“.
Ele conta que em uma câmara controlada conseguiu fazer alguns testes. Deixou alguns peixes com quase duas semana de maturação, que produziram um efeito excelente nos cortes especiais como o prime rib de atum. “Tudo é muito novo, ainda estamos em fase de testes para um Dry Aged mais longo, contudo todo dia aprimoramos um pouco nossos processos“.
Seja de carne bovina, de peixe ou mesmo variações como o butter beef, o Dry Aged é um processo que vem ganhando cada dia mais espaço no prato do consumidor e no cardápio dos restaurantes mais tops do país, que por possuir criadores de gado com carne de altíssima qualidade, ponto fundamental para um dry aged bem-sucedido, sai em vantagem.
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